Opinião

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ESTÁ EXTINTA A ESCRAVIDÃO?

Na minha família, como em milhões de outras, os chats de WhatsApp viraram palco de conflitos políticos acirrados. Estou em minoria, e as minhas provocações são recebidas com profundo desprazer. Outro dia soube de um fato desabonador: criaram um novo chatfamiliar do qual fui sumariamente excluído! Explicaram-me que o grupo é principalmente para trocar fotos de “crianças lindas e amadas”. Ora, na situação em que se encontra o Brasil, simplesmente trocar fotos de “crianças lindas e amadas” é uma atividade comprometedora, quase irresponsável.

É preciso ter muita “saúde” para isolar-se da crise e viver, tranquilo e impune, numa torrezinha de marfim qualquer. Paro e releio o parágrafo que escrevi. Não quero, leitor, tentar escrever uma página de Tchecov em que a classe média brasileira – logo quem! – seria instada a se comportar, de repente, como os personagens angustiados das peças do grande dramaturgo. Crises existenciais e de consciência nunca foram o nosso forte.

Prefiro outra faceta de Tchecov: suas observações sobre a superação da servidão na Rússia. Lembro-me, em especial, de uma carta que ele enviou a outro escritor russo com a seguinte exortação: “Escreva um conto sobre um jovem, filho de servos, antigo vendedor de armazém, corista de igreja, ginasiano e depois universitário, que foi educado para respeitar a hierarquia e para acatar as ideias alheias, que agradecia cada pedaço de pão, que foi muitas vezes açoitado, (...) que era hipócrita diante de Deus e dos homens, sem nenhuma necessidade, simplesmente por ter consciência de sua própria insignificância; escreva como esse jovem espreme, gota a gota, o escravo que tem dentro de si, e como ele, ao acordar numa bela manhã, sente que em suas veias já não corre mais o sangue do escravo, e sim o de um verdadeiro homem." Superar a servidão ou a escravidão é processo longo, doloroso. A escravidão no Brasil foi legalmente abolida em 1888, mas os seus traços e traumas perduram até hoje. No Carnaval carioca deste ano, a Paraíso do Tuiuti apresentou lindo samba-enredo, uma obra de arte, letra e música, com o seguinte título: Meu Deus, Meu Deus, Está Extinta a Escravidão? Ninguém estranhou o ponto de interrogação, mesmo após 130 anos da Lei Áurea.

Paulo Nogueira Batista Jr. - Economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

 

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